Duas guerras

” Infelizmente, no mundo, há muitas guerras. Em todas a ambição do homem e a loucura humana não têm limites.”

Surpreende-me a forma como a generalidade das pessoas se refere à da guerra na Ucrânia. Passados mais de dois anos sobre a invasão russa (iniciada em fevereiro de 2022), há uma certa normalização da tragédia, do horror, da destruição, do belicismo e da barbárie. Mas essencialmente é perturbador a normalização da morte.
Estranhamente, em vez de ouvirmos apelos genuínos à paz, ouvimos diariamente pedidos de mais apoio à Ucrânia para se defender (ou atacar) o invasor russo. Em uníssono, durante dois anos, todos apoiámos as iniciativas e pedidos de ajuda ucraniana, todos olhámos e aplaudimos o heroísmo e a resistência de um presidente lutador e que promoveu a própria identidade patriótica numa nação habituada a submeter-se à Rússia, mas agora é tempo de trilhar um outro caminho. Compreende-se que até agora o mundo civilizado defendesse a autodeterminação e resistência ucraniana sem “mas”, mas há um momento em que não se pode alimentar a guerra com mais guerra. E a semana passada era o momento para o mundo mudar de orientação, era o momento para, nas Nações Unidas, se defender a paz e o caminho para negociar um acordo. Não foi nada disto que aconteceu. O mundo, ou o nosso mundo, o “mundo ocidental”, parece querer alimentar a guerra e não a parar, parece que queremos enxovalhar a Rússia e isso é um erro (e defender o fim da guerra nada tem a ver com a posição comunista, ideologicamente pró-russa, mas antes com a defesa da negociação da paz, com concessões e acordos).
Confesso que pensei estar sozinho… Mas não! Ainda há muita gente a defender a paz, a manifestar-se contra a guerra no Leste, a acreditar que é possível viver em segurança e sem o terror das bombas e o domínio das armas… Miguel Sousa Tavares (“Os homens devem estar loucos”, no “Expresso” de 20 de setembro) opinou de forma desabrida contra a guerra na Ucrânia, quando parece que a generalidade dos europeus quer continuar esta interminável tragédia que foi a invasão de territórios ucranianos pela Rússia.
Enquanto continuarmos a ver o ocidente apostar nesta estratégia de tudo pela guerra e nada pela paz, não serão apenas os ucranianos a morrer – a Ucrânia já aumentou a idade de recrutamento da tropa porque os mais jovens estão todos na guerra ou já morreram (mais de 300 mil); a Rússia acaba de recrutar mais 120 mil homens para substituir as baixas (talvez mais de 400 mil). Entretanto, Volodymyr Zelensky visitou uma fábrica de armamento americana, porque os Estados Unidos são um dos maiores financiadores e também o principal fornecedor de armamento; a Europa arruína-se para financiar a aquisição de material militar para a Ucrânia – como identifica o Relatório Draghi, pagamos a guerra com financiamento, com inflação, com energia mais cara, com um empobrecimento competitivo e com a paralisação da economia europeia, com o regresso da energia nuclear ou do carvão, enfim, o projeto “europeu” afunda-se na sua inquestionável vontade de defender a Ucrânia.
Esta guerra não pode continuar. A Europa não pode continuar a empobrecer enquanto apoia uma guerra que não tem fim à vista. Todos devemos exigir diálogo e cedências em nome da paz, da segurança, da vida e do futuro.
Muito diferente é a guerra no Médio Oriente, conflito com caraterísticas muito complexas e de negociação muito difícil, desde a questão religiosa à capacidade militar israelita, passando pela histórica incapacidade de diálogo ou respeito entre povos desde sempre desavindos. Os palestinianos têm de reconhecer Israel; os israelitas têm de permitir a criação do Estado da Palestina. Sem isso não poderá haver paz. Infelizmente, no mundo há muitas outras guerras. Em todas a ambição do homem e a loucura humana não têm limites.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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