Cara a Cara

«Para perceber a demência não é necessário ter curso superior, só é preciso amor e empatia»

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Escrito por Efigénia Marques

P – Como surgiu a ideia/oportunidade para escrever o livro “A avó tele-(co)manda na sua vida”?
R – Foi há quatro anos, na altura da pandemia, enquanto perseguia o sonho de entrar na pós-graduação. Através dos encontros online com o “Café Memória” – um local de encontro destinado a pessoas com problemas de memória ou demência, inspirei-me para a ideia principal do livro. Um dia, quando os meus filhos me perguntaram o que era a doença de Alzheimer, expliquei-lhes através da ideia que criei mentalmente e como lhes consegui transmitir tão bem, pois ficaram esclarecidos através da imagem mental que detalhadamente lhes descrevi, então pensei passar essa mensagem para um livro. Quando finalmente consegui, senti que a minha missão estava cumprida. Foi como que uma “missão de vida” para com as belas amizades que tenho criado ao longo destes anos com pessoas com demência.

P – Trata-se de um livro infantojuvenil. Qual é a mensagem transmitida?
R – Este livro poderá ajudar a perceber a demência pela minha perspetiva profissional. E não é necessário ter curso superior, só é preciso amor e empatia. Por enquanto ainda não existe nenhum curso que ensine a curar a demência. Mas o fato de sermos empáticos para com as pessoas com possíveis demências faz-nos perceber que temos de nos adaptar às diferentes fases da doença e, para isso, só temos de usar a poderosa mensagem do livro: Empatia.

P – A quem se dirige esta obra?
R – Este livro é um ótimo contributo para crianças a partir dos 6 anos, mas também para jovens, adultos, cuidadores, animadores e todos os que tenham interesse em se “telecomandar” com a pessoa que tem demência, porque a pessoa é muito mais para além desta doença. Se prepararmos as crianças de hoje com esta mensagem podem vir a ser bons cuidadores.

P – Faltava uma obra de fácil leitura e interpretação sobre esta problemática?
R – Sim, embora existam outros livros que explicam muito sobre a doença. O meu livro só vem acrescentar ao padrão de livros infantojuvenis uma outra perspetiva, de uma mãe de gémeos, e técnica superior de animação sociocultural que diariamente lida com pessoas com demência e com a curiosidade das crianças.

P – Como tem sido a recetividade?
R – Tenho recebido um bom “feedback”, mas o que mais me marcou até agora foi a de um senhor com 91 anos que está institucionalizado (que também é escritor), a quem ofereci o livro. Após a leitura do livro brindou-me com um poema. Apesar de ainda estar muito bem cognitivamente, lida com pessoas na instituição que têm demência. Disse-me que graças à perspetiva do livro ficou a perceber um pouco mais como pode agir com os seus amigos.

P – Acha que a profissão de animador sociocultural está subaproveitada, nomeadamente nas IPSS?
R – Ainda existe muito a ideia de que o animador sociocultural é um “palhacinho” de serviço e que não vale a pena ter um animador a tempo inteiro nas instituições. Algumas optam por pagar uma prestação de serviços, em que o animador vai só umas horas por semana – nada contra, até porque vale mais ter um profissional da área de animação por umas horas do que não ter nenhum. Mas, um trabalho diário proporciona outras mais-valias a longo prazo. Se o animador estiver presente todos os dias estabelece uma relação diferente com todos os utentes, de uma forma muito mais personalizada para ir de encontro às necessidades e personalidade de cada utente. Também seria muito importante que o animador sociocultural estivesse em pé de igualdade com outros técnicos superiores, principalmente no acesso a informações clínicas dos doentes para realizar melhor o seu trabalho. É igualmente fundamental que existam reuniões periódicas entre equipas multidisciplinares para que, em conjunto, possa realizar-se um plano individual para cada utente. Deixo esta mensagem final: Nunca percam o vosso telecomando e, antes que isso aconteça, cuide de si, pois só assim cuidará melhor do próximo.

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PATRÍCIA CAPELÃO

Autora do livro “A avó tele-(co)manda na sua vida”

Idade: 36 anos

Naturalidade: Cogula (Trancoso)

Profissão: Animadora sociocultural

Currículo (resumido): Curso Profissional de Animação Sociocultural na Escola Profissional de Trancoso; Licenciada em Animação Sociocultural pela Escola Superior de Educação, Comunicação e Desporto (IPG); Pós-graduação de “Intervenção com pessoas de Alzheimer e outras demências” (Instituto Miguel Torga); Curso Avançado de Neurociências dos Jogos na Promoção de um Envelhecimento Ativo e Feliz (projeto AGILIDADES); Formação em Líderes de Dança Sénior Nível I e II (ANIMAR)

Livro preferido: “O Principezinho”, de Antoine de Saint-Exupérye, e “A avó tele-(co)manda na sua vida”, de Patrícia Capelão

Filme preferido: “Titanic” de James Cameron

Hobbies: Ler, cozinhar, andar de bicicleta e ir ao cinema

Sobre o autor

Efigénia Marques

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