«O trabalho digno para todos deve ser colocado no Centro das políticas para o crescimento e o desenvolvimento sustentáveis e inclusivos» OIT, “O Trabalho Digno e a Agenda 2030”
A regulação dos tempos de trabalho tem como objetivos fundamentais: a segurança e saúde no trabalho, uma vez que jornadas do trabalho infindáveis aumentam o número de acidentes de trabalho, doenças profissionais, doenças agravadas pelo trabalho e doenças relacionadas com o trabalho, bem como a saúde e bem-estar das pessoas, e ainda a conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar.
A sociedade moderna com as suas mudanças tecnológicas, nomeadamente, tecnologias de informação e comunicação, inteligência artificial de fácil acesso e grande capacidade, permitem trabalhar em qualquer lado e a qualquer tempo, colocam novos desafios laborais e impondo regulação exigente e atempada.
A crescente pressão para a flexibilidade, em particular nos tempos de trabalho e a omnipresença de novas tecnologias, potenciam uma conetividade permanente que conflitua com a limitação e delimitação dos tempos de trabalho.
A economia digital dificulta a delimitação clara do tempo de trabalho/tempo de repouso, provocando uma erosão na necessária separação entre local de trabalho e os espaços de vida pessoal, familiar e lazer.
É indispensável a desconexão laboral e privacidade na vida familiar e pessoal. A dignidade da vida humana exige-o.
No mundo real, no Portugal de hoje, a complexidade e dificuldade (e pouco empenho, diga-se em bom da verdade), na conciliação entre a vida pessoal e familiar penaliza mais (muito mais) as mulheres – nas suas carreiras, sobrecarga na vida pessoal e familiar. A repartição assimétrica do trabalho familiar em manifesto prejuízo para a mulher é um facto inquestionável.
Apesar desta constatação assistimos ao emergir de um retrocesso civilizacional, legitimando e naturalizando esta forma de organização socioeconómica e familiar.
Para evidenciar a injustiça fixemos alguns dados:
A taxa de atividade das mulheres em Portugal é cerca de 73%, acima da média Europeia de 68%.
As mulheres representam 50% do emprego em Portugal, a média Europeia é de 46%.
Em Portugal apenas 11% das mulheres trabalham a tempo parcial, a média Europeia é de 31%.
As mulheres, trabalham em cada dia útil mais 1:13 horas que os homens.
Cerca de 40% das mulheres declararam já ter interrompido as suas carreiras para cuidar dos filhos, comparando com apenas 8% dos homens. Na sociedade portuguesa, o apoio e cuidados informais aos conjugues, pais, filhos e outros familiares, por razões de doença ou dependência, é uma função de humanidade (quase) exclusivamente feminina.
A gestão harmoniosa dos tempos de trabalho em todos os âmbitos, reduzindo a sobrecarga das mulheres, é ainda uma medida nuclear de incentivo à natalidade (e como isso é importante, principalmente no interior!). No inquérito à fecundidade de 2019 (INE), a dificuldade de conciliação da vida profissional e familiar é apontada por 20,7% das mulheres sem filhos, como a mais importante para esta opção.
A flexibilização dos horários de trabalho, em detrimento da tradicional rigidez, para pais com filhos pequenos é a medida mais importante, no âmbito das condições de trabalho, para a opção de ter filhos. No mesmo sentido vem a possibilidade de trabalho a tempo parcial.
O caminho é este, não há outro – partilha equitativa entre mulheres e homens na tomada de decisão social, económica e política; partilha equilibrada de todas as formas de trabalho e tarefas; ética organizacional; eliminação da violência e assédio no local de trabalho, são requisitos fundamentais para uma efetiva igualdade de género e para um ambiente laboral digno dos nossos dias.
Palavas dos outros:
«O que é vergonhoso e desumano é usar os homens como de vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços» “Rerum Novarum”, Papa Leão XIII, 15 de maio de 1891.
«E se a solução – ou melhor, a gradual solução – da questão social, que continuamente se reapresenta e se vai tornando cada vez mais complexa, deve ser buscada no sentido de “tornar a vida humana mais humana»,… “Laborem Exercens”, Papa João Paulo II, 14 de setembro 1981.
* Médico