Cara a Cara

«O Festival de Poesia de Vila Nova de Foz Côa foi o maior desafio de todos os projetos culturais em que me envolvi até hoje»

Jorge Maximino
Escrito por Efigénia Marques

P – O Festival de Poesia e Música de Vila Nova de Foz Côa celebra 40 anos. Qual é a sensação de ter criado um evento com esta longevidade e que já proporcionou tantas atividades culturais ao longo dos anos?
R – É um momento de grande alegria! Não só para mim, mas para todos aqueles que estiveram no início do festival e quem também acompanhou de perto esta iniciativa. Portanto, é uma sensação de grande orgulho, mas ao mesmo tempo um pouco estranha porque quando se fala na longevidade do projeto sabemos que é difícil estas iniciativas manterem-se, e no interior mais ainda. Nos anos 80, quando o festival arrancou, estávamos num contexto completamente diferente, em que era mais fácil conseguir ter público nas salas e não havia obviamente a concorrência que há hoje. Temos trabalhado muito para resistir e para haver uma renovação, portanto essa sensação de estranheza é acompanhada pelo orgulho porque constatamos que tem valido a pena enfrentar algumas adversidades que vão surgindo, como essa de haver maior concorrência e de ser difícil conseguir anualmente uma programação que capte público.

P – Este é o festival literário mais antigo de Portugal. Como surgiu?
R – Surgiu num momento de grande intensidade da parte dos agentes culturais que havia na altura, que eram sobretudo dos meios associativos. O festival foi promovido inicialmente por uma associação que existia em Vila Nova de Foz Côa, que eu próprio ajudei a fundar e a certa altura decidimos propor ao público um projeto essencialmente artístico e, quando questionado sobre que tipo de iniciativa poderia ser, eu propus criar-se um festival de poesia em Vila Nova de Foz Côa. Isto aconteceu há 40 anos e o festival mantém-se de pé. É quase inacreditável como é que algo que surgiu de forma inesperada, e que eu próprio sugeri, possa não só ter agradado às pessoas, como ter sido possível concretizá-lo. Portanto, foi um grande desafio e de todos os projetos culturais em que me envolvi até hoje, que foram muitos, este foi o maior desafio que tive.

P – Ao longo destes 40 anos quais foram as maiores dificuldades em organizar e manter vivo este festival?
R – Numa primeira fase o festival teve imensas dificuldades, a maior das quais foi a financeira. Na altura o município não teve a atitude que tem agora e não apoiou, portanto, eu tive que encontrar alternativas. Desde então têm surgido outras adversidades, como ter que manter uma atratividade e adesão de públicos, em especial o público jovem, com um programa deste tipo. É difícil realizar iniciativas relacionadas com projetos poéticos e é por isso que temos a poesia em diálogo com outras artes, como a música, e essa é uma forma de contornar as dificuldades da falta de adesão do público. Foi com esse objetivo que passou a designar-se Festival de Poesia e Música, para conseguir ter, através da parte musical do programa, uma adesão maior do público, em particular dos jovens. Tem sido difícil, mas vamos conseguindo colmatar essa falta de público com estas estratégias de tornar o programa mais variado e apostar cada vez mais no público jovem.

P – E que novidades têm para a edição deste ano?
R – Das 39 atividades que temos nestes cinco dias, uma boa parte delas estão orientadas para os jovens. Por um lado, temos sessões integradas nas atividades do Agrupamento de Escolas de Foz Côa, em que temos 19 encontros com poetas, artistas, músicos e atores, tendo ainda uma participação muito abrangente dos próprios estudantes, que vão ler poesia e participar num ato simbólico de consciência ecológica, que consistirá em plantar quatro árvores para simbolizar as 40 décadas do festival. A outra parte orientada para os jovens são os quatro concertos com músicos que dizem muito ao público jovem, como a dupla Azar Azar & Maze, Marta Ren e Rita Redshoes.

P – Que marca gostaria que o festival deixasse não só na região, mas a nível nacional?
R – Já tem a marca de ser o festival literário mais antigo de Portugal, mas também tem como marca própria uma exigência de qualidade nas leituras que são propostas e nas outras artes convocadas. O festival é um espaço da palavra poética e de diálogo com as outras artes, onde se promove a leitura da poesia, mas ao mesmo tempo propomos uma reflexão e um debate sobre a cultura e a sociedade contemporânea. Esta é a marca mais forte do festival, que pretendemos que se mantenha e que, além do estímulo ao imaginário criativo, haja também o estímulo do espírito crítico. Porque o espírito crítico é, entre outras coisas, uma forma de resistência aos aspetos mais negativos da nossa sociedade. Portanto, a marca que gostaria que continuasse é esta e que o festival se mantenha como um festival da liberdade e da liberdade da palavra.

_______________________________________________________________________

JORGE MAXIMINO

Fundador do Festival de Poesia e Música de Vila Nova de Foz Côa

Idade: 61 anos

Profissão: Professor e investigador de literatura

Naturalidade: Vila Nova de Foz Côa

Currículo (resumido): Licenciatura em Estudos Portugueses pela Universidade de Paris 8; Doutoramento na área da Literatura, sobre as relações entre poesia e filosofia na Universidade de Paris-Sorbonne

Livro preferido: Vários

Filme preferido: Não tem

Hobbies: Caminhar e ler

Sobre o autor

Efigénia Marques

Leave a Reply