Nos últimos dias, desejar bom Ano Novo ao próximo (e até ao menos próximo!) foi um lugar-comum. Tal como um vulgar “bom dia”, essa corriqueira expressão saiu-nos da boca e dos teclados dos nossos telemóveis quase com a mesma facilidade com que respirávamos. Com exceção de alguns casos em que esses votos foram verdadeiramente genuínos e autênticos, nos demais, eles parecem ter sido endereçados por impulso e porque eram fruta da época, sendo poucos aqueles que valorizaram a sua importância e significado.
Ter um bom ou um mau ano é um juízo subjetivo, que varia muito de pessoa para pessoa, e é sempre um estado que depende de fatores que não controlamos, como a sorte, mesmo que esta dê muito trabalho, ou o azar, por muito que lutemos contra ele. Mas naquilo em que podemos influenciar o nosso destino individual e coletivo, o tal nosso metro quadrado, fazendo a nossa parte, há quem pareça masoquista e inconsequente, desejando uma coisa e fazendo exatamente o seu contrário para que ela dificilmente aconteça. Vem isto a propósito da frase mordaz que tem feito uma das delícias do Whatsapp e que diz: “Ironia é alguém desejar-te sucesso, saúde, próspero Ano Novo e a 10 de março ir votar no PS”. Para além de ter graça, esta criação é, em boa verdade, um tiro certeiro no alvo. Não se pode ao mesmo tempo desejar bom Ano Novo a quem quer que seja e, sem disso se dar conta, continuar a apostar, com o poder do voto, naqueles que nos tiraram ano após ano rendimentos e capacidade de compra com a maior carga de impostos de sempre.
Ou em quem deixou que a pobreza aumentasse no país para níveis que não se viam há muitos anos. Ou em quem permitiu que o Serviço Nacional de Saúde esteja perto do caos, com hospitais paralisados e a rebentar pelas costuras e muitos mais portugueses sem um médico de família. Ou em quem não soube agir para que o ensino público não decaísse como decaiu, como nos dizem os recentes relatórios divulgados. Ou em quem não teve a capacidade de fazer crescer economicamente o país, a ponto de já ter sido ultrapassado pela até há uns anos muito pobre e atrasada Roménia. Ou em quem não teve nenhuma política nacional de habitação, deixando que os preços das casas novas e arrendadas disparassem para valores inalcançáveis para a maioria dos cidadãos. Ou em quem não teve nenhuma arte para combater os infames atrasos da justiça económica, fiscal e administrativa, nem vontade para debater os poderes incontrolados do Ministério Público na justiça penal. Ou em quem não trouxe nenhuma esperança para os jovens recém-licenciados, que se quiserem ganhar mais que 1.300€ por mês terão de continuar a emigrar e a provavelmente nunca mais voltar. Ou até em quem não se preocupou em desenvolver um Plano Nacional de Coesão Territorial para travar e inverter assimetrias que estão a provocar um despovoamento galopante de mais de dois terços do nosso território, deixando o interior de Portugal num ponto sem retorno.
Podia continuar por aí fora, mas bem sei que nada disto se compara com os dramas daqueles que em vez de discutirem a melhor de forma de viverem as suas vidas, tentam apenas salvá-las, fugindo da guerra e da morte. No ano de 2024, na Palestina e na Ucrânia irão continuar a ser ceifadas vidas humanas com o poder das armas, e em muitas outras zonas do planeta milhares de pessoas sucumbirão à fome e à miséria. Por esses, a quem o cessar-fogo e o acesso a alimentos representaria por certo um ano lustroso, pouco poderemos fazer individualmente. Mas por nós, que afortunadamente temos estado a salvo dessas tragédias e que ainda nos podemos dar ao luxo de usufruir de uma Europa de paz e de prosperidade, cumpre-nos protagonizar uma mudança em que os desejos de bom Ano Novo não sejam apenas palavras fáceis, mas decisões que, por mais simples que sejam – o voto é uma delas – transformem as nossas vidas para melhor.
* Advogado e presidente da Assembleia Distrital do PSD da Guarda