Foi à volta da fogueira no adro da igreja de Aldeia Viçosa (Guarda) que se voltou a realizar o Magusto da Velha. Cerca de 500 pessoas assistiram e participaram numa tradição antiga fundamentada na lenda da velha rica que terá deixado uma grande herança à paróquia de Porco – como então se designava a aldeia do Vale do Mondego. Assim sendo, cumprindo a obrigação que resultou dessa doação, todos os anos no dia a seguir ao Natal deve rezar-se um Pai Nosso pela velha benemérita e oferecer vinho e castanhas à população.
Tudo terá começado no século XVII, pelo ano de 1698, mas ainda hoje continua por apurar a identidade da velha abastada cuja memória é perpetuada a 26 de dezembro para gáudio de pequenos e graúdos. Ninguém falta ao Magusto da Velha e mesmo os visitantes, muitos deles pela primeira vez em Aldeia Viçosa, mostram interesse e dizem querer voltar. Para os naturais da localidade, o Magusto da Velha é a «melhor tradição do mundo». Virgílio Almeida conta a O INTERIOR que «desde 1974» vem ao Magusto, «aliás, 1973, andava na barriga da minha mãe e já vinha aqui», corrige. Também Elisa, natural da aldeia, diz que «há 70 anos que venho ao Magusto e hei-de continuar a vir até morrer porque este dia é muito especial para mim. É uma tradição única e de grande valor», enaltece, enquanto outro habitante constata que na última terça-feira havia «gente que não cabia no adro da igreja».
E tal como nos anos anteriores houve quem viesse pela primeira vez. Foi o caso de Luciano Calheiros, residente no distrito da Guarda, que mostrou interesse pela atividade. «Já percebi o que se passa e as razões desta iniciativa e acho interessante a divulgação para a localidade e para a região. De facto, deve aproveitar-se a gente que visita Aldeia Viçosa neste dia», sugeriu o também deputado municipal do PSD. Na mesma situação estava Adélio Maia, natural da Trofa, que contou ter visto a «tradição na televisão, mas nunca ao vivo, pelo que decidimos vir conhecer o Magusto da Velha». De Coimbra vieram vários visitantes, caso de Guilherme, que disse a O INTERIOR que é um evento «muito bonito», tendo mesmo manifestado «estupefação» por a tradição «se manter século após século».
Já António Prata, natural de Verdelhos, na Covilhã, disse que descobriu o Magusto da Velha no ano passado. «Não deixei de vir este ano porque é algo fora da normalidade, fora de série e, por isso, continuarei a vir nos próximos anos», admitiu o visitante. Para o presidente da Junta de Freguesia de Aldeia Viçosa, já não se trata apenas de cumprir uma tradição, mas também de satisfazer uma «obrigação». O testamento da velha abastada foi deixado à Junta de Freguesia que tem de «cumprir o que está escrito». Luís Prata estima que tenham passado pela aldeia cerca de 500 pessoas pelo que há «cada vez mais gente a acompanhar a iniciativa». O Magusto da Velha «já entrou nas rotas turísticas do país e temos tido visitantes do litoral para assistir e participar», indica. Para o autarca, esta é uma tradição «única no mundo, com mais de 500 anos, que enobrece e dá valor à região e leva o bom nome de Aldeia Viçosa e da Guarda a todos os pontos do país».
A tradição voltou a ser cumprida com a distribuição de 150 quilos de castanhas, atirados da torre da igreja, e de 50 litros de vinho, tendo ainda sido servidas torradas com azeite e, pela primeira vez, uma sopa de castanhas.
Sofia Pereira