O bom funcionamento da democracia local representa a garantia de salvaguarda dos direitos dos munícipes e uma gestão mais responsável, integrada, transparente e eficaz. É princípio geral e, naturalmente, também se aplica ao nosso concelho. Uma boa articulação entre a maioria de Governo e a oposição é sempre melhor de que a sistemática contraposição entre as forças políticas. É assim que o PS vê a democracia local e tem-se esforçado por manter uma saudável relação com a maioria de governo municipal. Por exemplo, viabilizando os orçamentos ou procurando espaço de diálogo com a Câmara sobre os assuntos que considera de vital importância para o concelho. A crítica é muito importante quando se justificar, mas boas relações funcionais entre a oposição e a maioria de governo não o são menos.
Foi neste quadro que fizemos propostas construtivas para o orçamento do 2023 e que o viabilizámos com a nossa abstenção. E foi também neste quadro que solicitámos, em junho deste ano, uma reunião com o executivo para debater questões que consideramos relevantes para o concelho e das quais já demos publicamente nota. Mas o que hoje quero sublinhar são dois pontos que estiveram associados a esta nossa iniciativa. Em primeiro lugar, o tempo que mediou entre o pedido de agendamento da reunião e a sua realização: mais de quatro meses. Não me parece que seja aceitável levar todo este tempo – e durante o qual foram feitas pressões para que a reunião se concretizasse – para dialogar sobre o concelho, designadamente com uma força política que, no plano nacional, governa o nosso país. E este é um primeiro aspeto que gostaria de sublinhar até para que o senhor presidente da Câmara compreenda que o PS da Guarda é um partido de diálogo e não só de oposição, esperando que no futuro não se repita um agendamento tão diferido no tempo.
O segundo aspeto que quero evidenciar prende-se com a reação do senhor presidente, não tanto às declarações que o PS prestou à saída da reunião, mas ao facto de elas terem tido lugar no edifício da Câmara, onde teve lugar a reunião. Em que consistiu a reação do senhor presidente? Em exigir que estas declarações do PS sobre a reunião, que acabara de ter lugar no hall do edifício da Câmara, tivessem de ter obtido prévia autorização do presidente da Câmara para serem ali prestadas. Ora, não é preciso ser um grande conhecedor da arquitetura institucional de um Estado de direito e democrático para saber que: a) os partidos têm existência e dignidade constitucional; b) os representantes eleitos são portadores de mandato legítimo conferido pelos cidadãos e têm particulares prerrogativas para o exercício dos seus mandatos; c) o direito de palavra nas instituições públicas onde exercem os seus mandatos, e muito em particular no caso dos vereadores e dos deputados municipais, não carece de nenhum tipo de autorização superior, dada a própria natureza do mandato e a dignidade do cargo; d) muito menos ainda quando aí usam da palavra na sequência de reuniões institucionais formais; e) e ainda menos quando o espaço usado para tal é o “foyer” público da Câmara.
Na minha qualidade de presidente da concelhia, de vereador substituto (quando a senhora vereadora não pode, por alguma razão, estar presente nas reuniões de Câmara, como já aconteceu) e de deputado à Assembleia da República não poderia deixar de chamar a atenção do senhor presidente para este seu erro grosseiro, certamente involuntário, acerca do funcionamento da democracia local, das prerrogativas dos eleitos e da natureza das instituições e edifícios públicos. Bastaria lembrar-lhe que na Presidência da República existe um espaço reservado para que quem seja recebido pelo senhor PR possa fazer declarações públicas, mesmo não se tratando de membros eleitos de instituições políticas, locais ou nacionais.
Não pretendo fazer disto um caso ou insinuar autoritarismo no senhor presidente. Não. Será certamente uma interpretação errada acerca do funcionamento das instituições. Mas esta interpretação terá de ser publicamente corrigida pelo senhor presidente para que, no futuro, não se repita e para que não restem suspeitas de que o senhor presidente desconhece o funcionamento e a natureza das instituições e dos mandatos públicos ou até de que se está perante um inadmissível comportamento autoritário e antidemocrático. Não é a minha convicção, mas gostaria de ver corrigida, pelo próprio, esta posição do senhor presidente.
* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e presidente da concelhia local do PS