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O que o cérebro ordena e a vontade recusa Ou da desejada harmonia na arquitectura portuguesa

Uma notícia de jornal que anunciava a construção de um edifício de arquitectura moderna dentro da vila histórica de Almeida, expondo os factos em termos de disparidade e contradição de pareceres dentro e fora do IPPAR, serve-me de pretexto para reflectir um pouco sobre o estado da arquitectura no nosso país.

Partindo do princípio de que é uma condição biológica o facto de o sentido de harmonia visual se ligar ao modo como o cérebro está estruturado, pode afirmar-se que qualquer pessoa a quem tenham sido apresentadas situações visuais harmoniosas e não harmoniosas irá preferir as primeiras, independentemente da instrução ou educação que tiver.

Poderemos então deduzir que, relativamente a quem decide sobre a harmonia da arquitectura em qualquer país, só decide pela não harmonia quem não tiver ao seu dispor, para escolha, situações em que a harmonia prevaleça ou quem não tenha estado anteriormente em contacto com essas situações e, desconhecendo a sua existência, não as procura.

Um raciocínio simplista concluiria que o desastre visual da maioria das cidades e aldeias portuguesas se deve ao facto de que quem decidiu não teve ou julgou não ter melhor para escolher. Não teria havido melhor para escolher porque quem faz não fez em qualidade ou porque a entidade que escolhe não tinha suficiente informação que permitisse a rejeição do menos bom e a exigência do melhor.

Mas ao raciocínio simplista falta a complexidade das conjunturas vivenciais. A este raciocínio em particular falta-lhe, pelo menos, o factor do economicismo, o factor do individualismo e o do poder e o factor da corrupção: a necessidade de fazer dinheiro com espaços estrategicamente situados, muitas vezes ignorando a possibilidade de preservação ou aproveitamento de parte do existente; o desejo de ter um edifício com as características de gosto pessoal dentro de espaços que deveriam estar de acordo com a traça arquitectónica do local; a permeabilidade aos compadrios frequentemente em troca de favores.

O que fazer, então, para conseguir ainda alguma harmonia arquitectural nas cidades e aldeias de Portugal? Partindo do princípio optimista de que ainda há qualquer coisa a fazer, haverá necessidade de que os responsáveis pelo poder de decisão nas suas várias instâncias conheçam como se conseguiu a arquitectura de qualidade noutros países; implementem e fiscalizem eficazmente o cumprimento das regras já existentes; promulguem leis que privilegiem uma alargada política de conservação e preservação e imponham uma prática ordenada e regrada de construção rural e urbana.

Infelizmente, apelar ao sentido de história, de identidade cultural e de país, apenas, não chega.

Por: Luísa Queiroz de Campos

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