“Quem não tem cão, caça com gato”. Este conhecido provérbio pode muito bem aplicar-se ao início de vida de Sinhote Có que, com apenas seis anos de idade, não podendo ter todos os divertimentos que queria, começou a construir os seus próprios brinquedos com materiais reciclados e objectos de consumo doméstico que, normalmente, teriam como destino o lixo. Foi esta “arte” que o habilidoso jovem, nascido na Guiné-Bissau, mostrou e tentou ensinar, no último fim-de-semana, a cerca de 40 crianças de Famalicão da Serra, no concelho da Guarda.
Na tarde de sábado, o primeiro dia em que Sinhote Có esteve em Famalicão, as crianças aprenderam a fazer diversos brinquedos. O primeiro, bastante simples de fazer, teve apenas como “ingredientes” um copo de iogurte, uma pequena porção de terra, um pouco de papelão pintado com lápis de cor e um pedaço de fita dos pintores. Depois foi só colocar a terra dentro do copo de iogurte e colar a tampa de papelão em cima do recipiente. Estava criado um instrumento musical, tipo congas, que emitia barulho quando as crianças abanavam o copo de iogurte. O segundo desafio foi fazer um avião a partir de uma garrafa de água das pequenas e de umas asas de papelão cortadas à medida. Depois de pintadas de acordo com o gosto pessoal de cada um, o artista guineense efectuou três cortes nas garrafas com um “x-acto”, avisando os mais novos para não fazerem aquilo em casa. «Peçam aos vossos pais para cortar», foi dizendo um a um. Pintadas e agrafadas as asas foi só introduzi-las dentro da garrafa da água mediante os cortes previamente efectuados. O avião estava, então, feito, para agrado de todos os “alunos” que não perderam “pitada” dos ensinamentos dados por Sinhote Có. O Abel, a Jéssica, o Ricardo e o Serafim foram quatro das crianças de Famalicão que ficaram muito entusiasmadas com esta nova experiência. «Nunca pensei que fosse possível fazer um avião com uma garrafa de água e papelão», admitiu a Jéssica, de 10 anos. Já o Ricardo, da mesma idade, admitiu que, «a partir de agora», vai «começar a ter mais atenção às coisas que costumo deitar fora, como as garrafas de água e de iogurtes», realça. Por sua vez, o Abel, de sete anos, disse timidamente que vai «tentar fazer alguns brinquedos» a partir de objectos que normalmente manda para o lixo. O mais pequeno de todos, o Serafim, de apenas cinco anos, afirmou que é «bonito» conseguir construir estes brinquedos com as suas próprias mãos.
Sinhote Có explica que esta ideia surgiu aos seis anos na Guiné-Bissau porque «não tinha todos os brinquedos que queria», relembrou. Como também não se conformava com os brinquedos que os seus pais lhe compravam, recorreu então à imaginação para criar o seu «”mundo de diversão”. No início, os trabalhos eram rudimentares», afirmou, recordando que começou com uma lata de atum e quatro tampas de garrafas de água. Posteriormente, à medida que foi aperfeiçoando as suas técnicas e que ia convivendo com os seus amigos estrangeiros que tinham outro tipo de brinquedos, os seus modelos foram surgindo cada vez mais «sofisticados», sublinhando que nunca teve aulas de electrónica, sendo um auto-didacta que faz da força de vontade uma das suas grandes “armas”. Por outro lado, o jovem guineense, hoje com 24 anos, realçou que esta é também «uma forma de contribuir para que não haja poluição», ao mesmo tempo que «também ajuda as crianças a desenvolverem as suas capacidades cognitivas», frisou.
Por parte do Centro Cultural de Famalicão da Serra, que organizou esta original oficina de brinquedos, o objectivo foi «proporcionar dois dias diferentes» às crianças, bem como «despertar a sua atenção, dos seus pais e da população em geral» de que se pode «aproveitar material que costuma ir para o lixo para se fazerem brinquedos», frisa Alexandre Horta, vice-presidente da colectividade.
Ricardo Cordeiro