É dia 2 de outubro, são 16 horas e estão mais de 30 graus na Guarda. Não sei se esta temperatura está ou não fora de época e se ela resulta ou não das alterações climáticas. O que sei, porque está cientificamente demonstrado, é que se nada mudar caminharemos para um aumento do aquecimento global em 2,8 graus, o que tornará o mundo muito perigoso e instável.
A herança que estamos a deixar aos nossos filhos e netos é, pois, um barril de pólvora. A situação é tão crítica que a expressão “alterações climáticas” já deu lugar a expressões como “emergência ou colapso climático”, tendo o secretário-geral da ONU dito que a Humanidade está a «abrir as portas do inferno». Vem isto a propósito daquelas três jovens que na semana passada atiraram umas bolas de tinta ao ministro português do Ambiente. Nada que deva ser aplaudido ou incentivado, mas lá que este ativismo “tik tok” (como alguém o denominou) teve como efeito prático voltar a pôr o país a falar por uns dias no tema da imparável pegada carbónica, lá isso teve. É claro que há outras ações bem mais eficazes e estruturadas, como aquela dos também jovens portugueses que foram ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos defender a causa e insurgir-se contra a inação dos governos face à destruição do planeta Terra e ao risco de sobrevivência da espécie humana.
Tudo isto é importante, mas mesmo com radicalismos, tudo é claramente insuficiente. Não basta consciencializarmo-nos do buraco negro para onde nos dirigimos. É preciso agirmos e sermos consequentes. O problema, aparentemente insolúvel, é que o caminho da inversão desta bomba atómica ambiental pode levar-nos a ter de combater o capitalismo e a instituir um retrocesso civilizacional sem precedentes, e não parece haver nenhum país nem cidadão que esteja preparado para isso. Perguntem à China e aos EUA, os dois maiores poluidores do mundo, se estão dispostos a trocar o crescimento das suas economias com combustíveis fósseis para produções com emissões líquidas zero? Perguntem ao Reino Unido por que razão anunciou o abandono e o adiamento das várias metas para a redução da emissão de gases com efeito estufa? Perguntem ao Brasil se quer travar a brutal destruição da floresta amazónica para cultivo de soja, uma das suas principais exportações e fonte de receita? Perguntem à Indonésia e à Malásia se trocam a preservação do pulmão verde das suas enormes florestas e se querem deixar de produzir e vender para todo o mundo óleo de palma que está presente em “n” alimentos consumidos diariamente.
Perguntem à maioria dos jovens, mesmo aos ativistas do clima, se cada vez que vão ao McDonald’s, ou a outra cadeia similar comer um hambúrguer, pensam um minuto que seja que estão a ingerir alimentos aditivados e processados inimigos do ambiente? Perguntem ao mais comum dos seres humanos se pretende reduzir o consumo de carne de vaca e de ovelha, animais que no seu processo digestivo produzem grandes quantidades de metano e de óxido de azoto altamente tóxicos para a atmosfera? Perguntem aos agricultores se é viável evitarem o uso de fertilizantes e conservantes no cultivo do arroz e de muitos dos legumes que produzem? Perguntem aos turistas, como são muitos de nós, se querem abdicar das suas viagens de avião para não contribuírem também eles para a emissão de gases que não deixam a temperatura sair para a atmosfera, criando o já referido efeito de estufa? Perguntem aos utilizadores dos navios cruzeiros e aos responsáveis políticos pelos portos onde eles atracam se têm coragem para os proibir? Perguntem a cada um dos utilizadores de automóveis a combustão se perdem um segundo que seja a pensar nesta temática cada vez que rodam a chave do seu carro e iniciam uma viagem?
Perguntem a vós próprios se já vos passou pela cabeça renunciar ao telemóvel, que daqui a 10 anos será o responsável por 14% da pegada carbónica? Perguntem aos povos deste mundo se estão virados para prescindir de muitas outras comodidades que foram conquistando, que sabem ser nefastas, mas cujos efeitos no planeta não são (ainda) por eles sentidos no dia a dia? Pois é, bem prega S. Tomás, “faz o que ele diz, não faças o que ele faz”. É assim, muito farsola e hipócrita, que está esta cruzada pelo clima, a maior, mas também a menos conseguida luta da história da humanidade. Discursos facilitistas alguns, ações eficazes poucas, e ainda uma escassa consciência, vontade e capacidade de mudar. Tudo se conjuga, pois, para um cenário apocalíptico que não devia deixar ninguém descansado. Não há solução à vista, mas como diz uma pessoa de quem gosto muito, se não podemos mudar o mundo, pelo menos que tentemos mudar o nosso pequenino metro quadrado, começando por adaptar o modo como vivemos a estes desafios vitais.
* Advogado e presidente da Assembleia Distrital do PSD da Guarda