Casei com um tipo moreno, de 60 Kg e excelente de conversa. Sentado à mesa era um senhor, um tipo culto e uma força de sedução. Não mudou nada disto, mas deixou o desporto e lentamente foi ganhando barriga, perdendo cabelo, subindo a tensão arterial e um dia passou a ressonar. O dia a dia muda se não houver descanso e o meu acabou com aqueles episódios sonoros. Imaginem o lábio inferior a fazer brrrrr no meio dum rrrrrree grave. Boca semi-aberta e barriga para cima que para baixo não permitiria dormir. Os sons são diários e acordam-me. Mandei-o para a consulta do sono e ele foi, mas passam os dias e não melhora. Tenho agora um concerto constante. Comprei uns tapa-ouvidos mas não me adapto. Mudei de quarto e ele ofendeu-se. Acordo-o quando me acorda, ele vira-se e ressona de novo. Isto é um quotidiano infernal que só pode ser possível em quartos diferentes. Mesmo se o sexo se fizer, o sono é na porta do lado. Agora são os amigos que o levam até tarde e quando chega sabe a álcool. Penso que é o álcool que o engorda e o faz ressonar. Não consigo que corte o ciclo e por essa razão saio do caminho. Ressonar pode ser um terramoto na relação. Aliás todos os sons do corpo são bizarros na cultura que perfilhamos. Os sons do corpo são embaraçantes, causam vergonha, e no entanto são naturais. Estranha cultura que nos surpreende quando a tripa gorgulha ou o ar decide sair por qualquer lado, ou os dentes r angem, a voz desafina, os dedos tamburilam. Ressonar é apenas um pouco desta sinfonia que uma noite a dois pode dar a conhecer. O hálito é pior, e diferente, porque podemos evitar o álcool e tratar os dentes.
Por: Diogo Cabrita
