Uma casa nunca se começa pelo telhado. Escava-se o terreno, determina-se a profundidade, impermeabiliza-se o solo, compacta-se a brita, utiliza-se o ferro necessário e, aos poucos, com argamassa, tijolos e tijolinhos, placas e plaquinhas, chega-se ao telhado.
Em sentido contrário, o Estado, qualquer Estado, ganha forma e dimensão funcionando de cima para baixo, ou seja, do telhado para o alicerce, tendo em conta a chefia (Presidente, Parlamento e Governo) que tomam as decisões políticas a que se seguem os órgãos administrativos (que executam as decisões políticas e zelam pela manutenção da ordem pública) e, finalmente, a população que é a base do poder.
Ora, quem no topo da hierarquia tem por missão passar a toda esta cadeia uma série de sinais onde está implícita a autoridade do Estado, a firmeza das decisões e a confiança que obviamente têm de transmitir à base da pirâmide, que é o povo, ditando desse modo o funcionamento de Estado de direito no regime democrático.
A etapa seguinte é, sem hesitação ou qualquer género de dúvida, a aplicação de políticas nas mais diversas áreas que determinam o bem-estar e a felicidade do povo, sem tentar sequer subterfúgios ou aplicações manhosas e ziguezagueantes do desvio de atenções daquilo que é essencial onde continuam a ser empregues a meia verdade de copo meio cheio, eu prefiro dizer copo meio vazio, baseadas, claro está, no calculismo mercantilista de paradoxos muito próximos ao de Easterlin.
Aristóteles, três séculos a. C., unia a virtude à moral considerando-as elementos básicos para que a ética política funcionasse. O bom do filósofo nunca lhe passou pela cabeça que dois milénios d.C., num pequeno cantinho do sul da Europa, os protagonistas se borrifassem sistematicamente para princípios e valores que estão adjacentes, transformando aquilo que devia ser uma coisa séria e responsável no “putain du camion” do Coluche. A começar desde logo pelo telhado da pirâmide, a que se seguem casos e casinhos, cacos e caquinhos, sustentados por um batalhão de comentadores e todos quantos juraram dizer a verdade, só a verdade e mais nada que a verdade com a finalidade de desempenharem com lealdade as funções que lhes foram confiadas. E isto está mesmo a pegar. Começou no telhado e já está a chegar às fundações.
Nesta altura do campeonato, desculpem a franqueza, se não estamos na encruzilhada do destino, então isto mais parece a versão hardcore da pensão das trapalhadas no bairro da Bexiga, em S. Paulo. Recordam-se seguramente da tal casa de Irene. Isto se não fosse coisa séria daria a mais grotesca e hilariante novela que algum dia a Globo produziu.
Para não ficarmos mal no filme apenas mais esta:
Foi divulgado o relatório da Felicidade Mundial, uma publicação com a assinatura da ONU. Analisados 150 países, a Finlândia continua a ser o país mais feliz do mundo a que se seguem todos os países nórdicos. Portugal ocupa a 56º posição e é fácil perceber porquê. Os parâmetros analisados são: suspeita de corrupção, assistência médica, educação, criminalidade, equilíbrio na remuneração e desigualdade entre classes.
Pois é, por hoje… está quase tudo dito… não fosse o Governo e o Presidente, ambos, não estarem presentes na homenagem às vitimas dos incêndios de Pedrogão ou, indo um pouco mais longe, a ida do Falcon da Força Aérea transportando o primeiro-ministro na deslocação à Moldávia para estar presente na Cimeira da Comunidade Política Europeia e, no regresso, sem estar na agenda, Costa, por vontade própria, fez questão de dar um pulinho à final da Liga Europa, ficando sentado ao lado do escroque-mor da extrema-direita europeia, Viktor Orbán, o tal que tem criado as leis mais escabrosas, retrogradas e discriminatórias, percebendo-se porque razão a União Europeia quer impedir a Hungria de assumir a presidência deste organismo.
Marcelo, entre gelados e multibancos, acha tudo isto normal. Pois, é bem verdade, também ele já fez precisamente o mesmo.
Realmente a pensão das trapalhadas no bairro da Bexiga, em pleno centro de S. Paulo, era apenas e tão só frequentada por autênticos meninos de coro que ao lado destes fariam corar uma boa rameira ou tornar decente e apresentável um abandalhado chico-esperto de um qualquer proxeneta.
Haja vergonha. Haja decência.
A pensão das trapalhadas no bairro da Bexiga na cidade de S. Paulo
“Marcelo, entre gelados e multibancos, acha tudo isto normal. Pois, é bem verdade, também ele já fez precisamente o mesmo.”