Num debate no Parlamento, em abril de 2019, dirigi-me ao primeiro-ministro e “acusei-o”, entre outras coisas, de liderar um «Governo das famílias, onde imperava a promiscuidade e a podridão». Tinha razão. Já então se sucediam os casos em que o PS se confundia com o Governo e se apropriava do Estado como se de um grupo de amigos ou de um clube privado se tratasse. O fim da geringonça e a imerecida obtenção da maioria absoluta de 2021 vieram confirmar e acentuar o lamaçal em que se vive. Foram superados todos os limites da decência ética e política. Os limites do amiguismo, da ilusão, do quero, posso e mando e, enfim, de que se pode fazer tudo que, no fim da festa, o povo não só perdoa como até premeia. Há, infelizmente, demasiadas Alexandras no PS. Há a sensação de que não faltam lugares disponíveis na administração e nas empresas públicas para rapazes e raparigas detentores do cartão cor-de-rosa.
Este episódio da TAP é a radiografia perfeita da pouca-vergonha a que se chegou. Uma senhora, a quem não se conhecem especiais pergaminhos, é contratada para ganhar o milionário salário de 17.500€ por mês, é depois dispensada para receber a multimilionária indemnização de 500 mil euros, logo a seguir é novamente contratada para liderar outra empresa do lado com um vencimento também avantajado e sem devolver o obsceno montante que imoralmente lhe foi dado e, para fechar este pestilento esquema de portas giratórias, é finalmente nomeada secretária de Estado do Tesouro para tutelar financeiramente a empresa que a tinha “despedido”. Tudo isto com a complacência (para não se dizer anuência) de dois dos mais poderosos ministros deste Governo, Pedro Nuno Santos, já demissionário, e Fernando Medina, que não obstante cooptar para trabalhar diretamente consigo quem sugou daquela forma uma empresa pública, surge sonsamente a dizer que não sabia de nada, assumindo com desassombro a sua incompetência em nome de um bem maior que é o lugar que ocupa e a que quer ficar agarrado que nem uma lapa, isto com o seu mais predileto amigo Dr. António Costa a assistir a este lodaçal com a sua habitual e olímpica impunidade.
Não sou só eu a indignar-me no espaço público com este estado de coisas. Entre muitos outros, João Miguel Tavares chamou-lhe “O prognatismo mandibular do Governo de António Costa” – «um governo de amigos, irmãos, filhos, maridos, mulheres e velhos colegas que se cruzam no Conselho de Ministros, nos reguladores, nas empresas estatais, nas câmaras municipais, nas direções gerais, sempre os mesmos, nomeando-se uns aos outros, saltando incansavelmente entre lugares na esfera do Estado». Henrique Monteiro também não esteve com meias medidas e intitulou-o de “A Podridão” – «pode discutir-se até à exaustão o caso, olhá-lo de todos os ângulos, mesmo do da ex-secretária de Estado do Tesouro; em todos eles há mentira, sofreguidão, ganância e um desprezo total pelos cidadãos contribuinte». O descaramento é total e o que resta saber é se desta vez, como nas outras, tudo passa como se não fosse nada e se na próxima sondagem o partido do Governo continuará imperial e a poder rir e gozar com o “zé pagode” até não poder mais. Pode ser que sim, que tudo continue a ser permitido a António Costa e aos seus, mas como diz José Manuel Fernandes, «há cada vez mais a perceção pública de que uns comem tudo e que para os outros fica a inflação e que essa perceção, mais cedo ou mais tarde, acabará por ser fatal aos “meninos de ouro” do PS». Mas enquanto alguns usufruem das passadeiras vermelhas, não temos outro remédio que não seja aguentar, lidar e esperar que o destino nos ajude. É que enquanto por cá nos entretemos a discutir crises políticas, que em nada contribuem para melhorar a nossa vida para 2023, aqui ao lado, em Espanha, o Governo aprova a redução do IVA ou IVA zero para produtos essenciais de supermercado, investindo na economia e ajudando todas as famílias, especialmente as das classes mais baixas, pois são estas as que mais percentagem do seu rendimento gastam nesses produtos. Ainda assim, e apesar do nosso Governo, este novo ano será sempre melhor do que outros que já passaram. Haja saúde.
* Advogado; presidente da Assembleia Distrital do PSD Guarda e antigo deputado na Assembleia da República pelo círculo da Guarda