Um dos acontecimentos da televisão nacional mais repetidos e divulgados nas redes sociais, já com direito a t-shirt e azulejos comemorativos, foi a tradução que José Milhazes fez em directo dos gritos de uma multidão num concerto em São Petersburgo. A frase foi tão divulgada que a recusa de Pacheco Pereira em repeti-la na sua crónica pareceu o miúdo que ouve dizer “pilinha” e para repetir o que ouviu só consegue dizer “piiiii…..”.
José Milhazes optou por traduzir o clamor da multidão russa, “khuy voyne”, pela expressão portuguesa de mandar algo ou alguém para o órgão sexual masculino. Ora, consta-me que esse é um sítio que várias pessoas gostam de frequentar. No entanto, elogio a opção de Milhazes por ter optado por um exclusivo linguístico, já que a expressão não tem equivalência em inglês. A frase “That war goes to cock!” não faz sentido em língua inglesa. Todos os sites estrangeiros e a minha fonte de informação nativa sobre palavrões em russo coincidem na tradução “Fuck the war”, que, sendo menos original, tem pelo menos a virtude de mandar fazer à guerra aquilo que a guerra nos faz a nós.
Há, apesar das semelhanças entre os insultos, ligeiras diferenças que vale a pena notar. Não é o mesmo enviar alguém ao encontro de um membro carnudo ou executar uma determinada acção. Pode-se até discutir se ambas não terão os seus encantos, e se deveriam realmente ser consideradas insultos. Mas é indiscutível que se trata de categorias semânticas distintas. Talvez a jornalista de serviço ao jornal não ficasse tão assustada com a tradução alternativa de sugerir à guerra que fosse fazer amor. Claramente, a referência peniana deixou Clara de Sousa em sobressalto.
Seja como for, louve-se a coragem de José Milhazes em oferecer ao público português uma tradução equivalente ao original, dizendo claramente para onde a multidão estava a mandar a guerra, e não uma titubeante “fava” ou um pueril “pirilau”. Este episódio foi bom para recordar que os governos podem proibir os seus cidadãos de proferir determinadas palavras, como o Kremlin faz com “guerra”, mas nunca conseguirão impedir as pessoas de dizer palavrões na hora em que eles são mais necessários.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia