Os consumidores, por via dos sucessivos anúncios dos subsídios e apoios que a agricultura recebe, estão convencidos que isto de ser agricultor é um maná. A realidade é bem diferente, há muitos programas e apoios que não chegam ao terreno, outros são tão incipientes que não vale a pena fazer a candidatura e outros ainda não se adequam à realidade do mundo rural.
A população urbana que está convencida que a agricultura portuguesa é subsídio-dependente deve ter em conta que quase todas as agriculturas do ocidente recebem subsídios para que os produtos agrícolas cheguem ao consumidor a um preço mais barato, é essa a principal função dos apoios. Em média, a distribuição do valor ao longo da cadeia de abastecimento agroalimentar, por cada 100 euros pagos pelo consumidor, 50 vão para a distribuição, 30 correspondem à transformação e apenas 20 euros vão para o agricultor, destes 80% são custos de produção.
A subida brutal dos custos dos fatores de produção tem impacto direto no rendimento dos agricultores que, necessariamente, provocam um aumento de preço nos consumidores. Há insumos que aumentaram 130%, como por exemplo, fertilizantes, fitofármacos, sementes, rações para animais, gasóleo agrícola, etc. O Governo tem tomado medidas com a intenção de minimizar os efeitos na produção e mitigar a escalada dos preços, mas na realidade essas medidas não têm consequências práticas, pois não chegam ao terreno.
Desde o início da pandemia que o sector agrícola tem vindo a afirmar “Faça chuva ou faça Sol, a agricultura não para”, como se pode constatar, mau grado os constrangimentos e o impacto que uma pandemia destas provocou.
Como é do conhecimento geral, a agricultura, com ou sem Covid-19, é uma atividade sazonal e, portanto, as receitas (faturação) são muito variáveis, inconstantes e muito irregulares de mês para mês e de ano para ano. Deste modo, no sector agrícola não é possível certificar se a redução da receita se deve a circunstâncias exteriores ou se resulta da própria génese da atividade. Neste sentido, a Linha de Apoio à Economia Covid-19 Micro e Pequenas Empresas, disponibilizada pelo Governo, não chegou ao terreno porque para aceder a esse empréstimo o agricultor tinha que ter uma quebra de faturação de 40% relativo à média mensal de faturação do período de março a maio de 2020, comparando com a média mensal de faturação dos dois meses anteriores. Uma trapalhada que não se adaptou ao sector que muito sofreu com o confinamento provocado pelo Covid-19, ou seja, mais uma vez a agricultura ficou excluída.
Seguidamente temos a seca (90% do território em seca severa ou extrema) que fez aumentar os encargos das explorações, com necessidades de rega, e provoca a diminuição de pastagens, o que obriga a recorrer a rações para alimentar os animais. Também as culturas Outono/Inverno tiveram baixa produtividade. Neste contexto de alterações climáticas estas situações são cada vez mais frequentes. O Governo tomou algumas medidas para mitigar os efeitos da seca, mas por serem tão minimalistas não chegaram ao terreno. As secas sucessivas e as alterações climáticas colocam a necessidade de modernizar sistemas de rega e investir em novos regadios a Sul da Gardunha, reestruturar a Cova da Beira e Idanha a Nova, assim como regadios tradicionais.
A invasão da Ucrânia pela Rússia veio trazer enormes problemas ao sector, pois, como se sabe, muitas matérias primas vinham daquelas regiões, o que veio asfixiar e provocar aumentos brutais, na ordem se 130%, em alguns insumos, também aumentos das comissões e juros bancários. Neste contexto de pandemia, seca e guerra, os bancos, os principais financiadores da nossa atividade agrícola, anunciaram pomposamente que tiveram lucros fantásticos: Crédito Agrícola, 160 milhões de euros de lucro em 2021, o que significa um aumento de 83% em relação ao ano anterior; Caixa Geral de Depósitos aumentou os seus lucros em relação a 2020 em 19%, ou seja, tanto o banco cooperativo (CA), como o banco público (CGD), certamente por deficiente regulação, em tempos de pandemia, seca e guerra, conseguem aumentos de lucros brutais à custa de juros altos e muitas comissões.
Finalmente, pensaram os agricultores otimistas, vem aí uma medida que vem atenuar os efeitos desta enxurrada de alta de preços que está a asfixiar e a criar enormes dificuldades de tesouraria às micro, pequenas e médias empresas agrícolas. Estamos a falar da Lei nº 10-A/2022 de 28 de abril. Esta lei isenta o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) de adubos, fertilizantes, corretivos de solos e outros produtos para alimentação de gado, aves e outros animais quando utilizados em atividades de produção agrícola.
1º Tem direito à isenção do IVA se estiver coletado nas finanças com um CAE agrícola, pelo que muitos pequenos produtores da agricultura familiar e de subsistência ficam de fora.
2º Os agricultores que estão coletados sempre tiveram direito ao reembolso do IVA, ou seja, a montanha pariu mais um rato, mais uma medida tão minimalista que não chega ao terreno.
3º Deveriam implementar uma linha de crédito com uma maturidade de longo prazo, com juros bonificados, com aval do Banco Português de Fomento, tendo em vista superar dificuldades de tesouraria, de fundo de maneio, e repor o potencial produtivo dos agricultores
De acordo com os censos agrícolas promovidos pelo INE, nos últimos 10 anos registaram-se menos 15.500 explorações. Nós não queremos parar faça chuva ou faça sol!
* Presidente da Associação Distrital de Agricultores de Castelo Branco