A 20 de julho de 1978, o então ministro dos Assuntos Sociais, António Arnaut, dando cumprimento ao artigo 64º da Constituição Portuguesa, assinava o despacho que permitia a todos os portugueses acesso gratuito a serviços médicos, bem como à comparticipação medicamentosa. Estava criado o Serviço Nacional de Saúde, faltando apenas formalizá-lo através da lei de bases, o que viria a acontecer em 1979.
A partir daí o SNS foi a garantia e o sustentáculo da saúde em Portugal, sendo considerada a maior conquista da revolução de Abril. Com o decorrer dos anos, tendo em conta a variabilidade da lei, encontraram-se formas engenhosas e ardilosas de dar a volta a inúmeras questões. A saúde tornou-se um verdadeiro negócio e começa assim: aqui no hospital não há condições. Vai para a lista de espera que tem alguns meses. Mas… se quiser, para a semana, estou na clínica e sabe como é… o problema resolve-se.
Neste cantinho à beira mar plantado felizmente existe opção entre público e privado, com liberdade para se ser funcionário público ou empresário. As duas ao mesmo tempo é que não. Todos sabemos que mais de 30% das despesas de saúde são pagas pelas famílias. Os grupos BES, Mello, Lusíadas e Trofa possuem mais de 60 unidades controlando quase metade da saúde em Portugal. A redução de camas foi uma realidade, menos 3.000 no público, mais 1.500 no privado. Transferências de mil milhões de euros do Estado para os privados garantindo praticamente metade das suas receitas. Consultas e exames complementares de diagnóstico diminuíram no Estado, aumentaram no privado. Enfim, a saúde a duas velocidades num país onde mais de 2 milhões estão isentos de taxas moderadoras por insuficiência económica. Mesmo assim pergunta-se: Que seria deste país em pandemia sem o SNS?…
As PPP’s ganham grande destaque a partir da década de 90. Sabemos muito bem com quem. As parcerias público privadas devem existir sempre por exceção e nunca por regra sendo os seus objetivos claros, não deixando margem a interpretações dúbias, fazendo algum sentido quando não existe oferta pública, ambos os lados coabitem, sendo necessário perceber que a privatização não possa nem deva ser um caminho a prosseguir. O esquema de remediar é sempre um erro.
A retoma do investimento na saúde deve ser a prioridade das prioridades do futuro governo para que não haja afirmações do tipo “quem quer saúde, paga-a” ou continuarmos a aturar o discurso cínico, misturado com uma hipocrisia social sem limites, quando se atribuiu à saúde crescimento positivo, num ataque sem precedentes ao SNS, no tempo da “troika”, obrigando Arnaut a afirmar: «O que tem valido ao SNS é a mãe, a Constituição, sem a qual já não existia».
Os portugueses votaram para terem de volta o seu SNS, pois, quer se goste quer não, as alternativas foram muito mal explicadas numa barafunda de ideias que tinham por único objetivo a destruição completa do SNS e a entrega à gula dos operadores privados.
O primeiro-ministro sabe qual a aposta a fazer nesse processo de investimento que tem subjacente pressupostos políticos e burocráticos onde se incluem metas e objetivos nas vertentes materiais e instrumentais, garantindo desta forma competências próprias, orientando todo o esquema estratégico, na melhoria da gestão adicionando seguidamente a economia, eficiência e eficácia e deixando de lado a passerelle das vaidades que vai alimentando egos megalómanos de alguns pseudo Zeus, que nas suas quintas e quintarolas, utilizam todo chico espertismo para abandalharem ainda mais o esquema, adicionando, claro está, os mais que identificáveis interesses instalados.
Também neste sector as luzes da ribalta, bem acesas pelo poder, continuam a deslumbrar boy’s e girl’s, alguns sem qualquer preparação, para dirigirem institutos, hospitais, ACES e ULS.
O desafio de agora passa segura e urgentemente por tudo isto e pouco me preocupa se a análise tem ou não conteúdo ideológico. Os portugueses votaram para que o SNS seja um exemplo concreto e bem definido em toda a Europa. Um êxito e um exemplo. Só há que ter coragem, fazendo a aposta e a reforma correta. Curiosamente temos todas as condições para isso. Costa carrega aos ombros essa responsabilidade e sabe isso muito bem…