O próximo Orçamento de Estado (OE) deverá significar o regresso à “normalidade”, aproveitando um crescimento de 5,5 por cento, mas que terá de manter a responsabilidade social implícita nas consequências da pandemia. Mas enquanto assume a herança da crise (com a despesa pública a poder ainda aumentar), terá de baixar a dívida e permitir aumentar os rendimentos dos portugueses. Não pode ser de outra forma.
Não queremos voltar aos tempos da “troika”, com tudo o que isso poderia implicar, pelo que, o rigor das contas públicas tem de ser um objetivo constante, mas as pessoas estão fartas de pagar impostos… por isso tem de haver um alívio, em especial nos escalões médios do IRS: o Governo assume esse compromisso e, nesse contexto, vai fazer o desdobramento de dois escalões que poderão permitir alguma poupança fiscal na classe média! Ou seja, o Governo é ambicioso ao prometer o reforço de rendimentos enquanto assume a redução do défice (o reforço dos rendimentos deverá ser essencialmente através de desagravamento fiscal).
Com este OE prevê-se que a Saúde receba mais 703 milhões de euros, o que será determinante para fazer frente às dificuldades financeiras do Serviço Nacional de Saúde, e poderá haver alguns tostões para contratar médicos e enfermeiros nomeadamente para hospitais mais carenciados, desde logo os do interior.
Os aumentos salariais continuarão a ser uma utopia sindical, pois, na prática, Portugal continua a ter níveis de produtividade que não permitem o aumento dos rendimentos do trabalho. Ainda assim, o Governo compromete-se com o aumento de 50 euros para salários de técnicos superiores e aumento salarial de 0,9 por cento (abaixo da inflação prevista) – o que num contexto de 11 anos de aumentos 0% concede que o país continua em crise. Previsto está também um ligeiro aumento («extraordinário») das pensões até 685 euros (as pensões acima dos 878 não deverão ter qualquer aumento), ou seja, a maioria dos pensionistas voltarão a perder rendimento.
Mas o mais importante é o combate à pobreza e o apoio às famílias e à natalidade.
Este OE apresenta algumas medidas de combate à pobreza infantil como o aumento do abono para as crianças do primeiro escalão (o do segundo escalão afinal fica para 2023) com um valor mínimo de 600 euros por ano. E um abono extra, ou “garantia para a infância”, de 840 euros para as que vivam em situação de pobreza extrema. Ainda que, todavia, não sejam conhecidos os detalhes da medida, nomeadamente a redução do complemento de acordo com os níveis de menor pobreza, este é o caminho para mudar o mapa da pobreza em Portugal e o Estado cumprir com a sua missão de ajudar quem precisa.
Por último, o apoio à natalidade, tantas vezes comentado, prometido e assegurado, mas quase sempre de forma ténue ou sem impacto. A baixa natalidade é um dos maiores problemas do país; é um problema coletivo que temos de enfrentar com urgência – a falta de apoio às famílias para poderem ter filhos. A creche passa a ser gratuita para as crianças do primeiro e segundo escalão, mas a gratuidade devia ser “tendencialmente” gratuita para todas as crianças, de todo o país e desde logo nos “territórios de baixa densidade”. O Estado devia investir e criar uma rede pública de educação pré-escolar e de creches. Porém, continua a adiar essa obrigação e a entregar à IPSS essa responsabilidade – aliás, erradamente, o OE assume mesmo que a gratuitidade nas creches é uma medida que se aplicará somente nas respostas sociais nas instituições particulares de solidariedade social. Ou seja, o Governo introduz medidas sociais e de apoio à natalidade positivas, mas continuará a demitir-se da sua maior responsabilidade: a instalação de equipamentos públicos de resposta a todas as famílias, as mais necessitadas e as que pagam impostos para fazer o Estado funcionar. O OE de 2022 será mais amigo dos necessitados, e bem, mas devia ser amigo de todos os portugueses. Um OE que tem de apostar no presente e garantir a sustentabilidade do futuro.
Um Estado mais Social
“O mais importante é o combate à pobreza e o apoio às famílias e à natalidade.”