A escola contemporânea tem sido perspetivada numa lógica burocrática e de ampliação sistemática das suas funções, para preparar os futuros cidadãos para o consumo irrefletido, a competição desenfreada no mercado de trabalho e a obediência ao sistema político e social vigente. Os professores, colocados na encruzilhada em que se encontra a escola, debatem-se cada vez mais com problemas que têm vindo a atingir proporções constrangedoras, nomeadamente, a indisciplina, o número excessivo de alunos por turma, a falta de recursos, a necessidade de prestar uma pedagogia diferenciada aos alunos com dificuldades de aprendizagem e seguirem programas progressivamente mais extensos. Embora se tenha conseguido alcançar o grande objetivo educativo do passado, combater o analfabetismo, criando condições para que todos frequentem a escola, a imagem do professor é a pior de sempre, sendo sobrevalorizado aquilo que falta alcançar e ignorado aquilo que é alcançado, o que também contribui para a falta de motivação da classe docente.
Do ponto de vista político e administrativo, a lógica pós-modernista do processo de mudança educativa assenta na coerção, no constrangimento e no artifício de políticas educativas que ignoram o desejo de mudança dos próprios professores. Cada vez mais os professores são figurantes numa história onde deveriam fazer parte do elenco principal. No contexto português são: responsabilizados pelo estado do ensino, quer pelo poder central, quer pela sociedade; alvo de uma intensificação do trabalho (gestão escolar, burocracia, prática letiva com elevado número de alunos, coordenação de estruturas ou projetos pedagógicos transnacionais); objeto de mecanismos de controle, supervisão , prestação de contas e de avaliação desajustados às especificidades da sua profissão e em que a sua finalidade, em termos de progressão de carreira, não tem qualquer significado visível; sujeitos a mudanças constantes na legislação educativa, que influenciam a organização do processo de ensino e aprendizagem, os currículos e as orientações para a gestão das escolas; culpabilizados pelo fracasso na relação com os pais dos alunos ou com associações locais ligadas à Educação, muitas vezes resultado de uma falta de cultura de diálogo democrático e de trabalho de colaboração entre as partes envolvidas; estimulados à frequência “abundante” de formação contínua, que nem sempre promove o desenvolvimento de competências pessoais e profissionais e por inerência, aumente a qualidade do sistema educativo; sujeitos a condições de trabalho e remuneratórias progressivamente degradantes, quando comparados a outras profissões com ou sem formação superior.
O método de produção das identidades dos professores passou a definir-se no âmbito nacional através dos discursos e documentos ministeriais, pelo que os docentes dos nossos dias devem ser disciplinados, obedientes, motivados, responsáveis e sociáveis. Neste sentido, o princípio do desempenho e da recompensa, a substituição das qualidades por atitudes transformadas em competências, levou a uma reconstrução absoluta da identidade dos professores neste sistema de massas; ou seja, a sua homogeneização, monitorização e submissão à nova sociabilidade do local de trabalho empresarial.
A tensão criada pelo sentido da colegialidade e da socialização fragmentada retirou-lhes o reconhecimento da sua autonomia, a responsabilidade e a capacidade para tomar decisões constantes e complexas, pelo que a ação pedagógica destes profissionais converteu-se, por imposições legislativas, em normas de subserviência burocrática. A radicalização das mudanças e das responsabilidades profissionais dos professores levaram a um crescente aumento de constrangimentos, bem como à desprofissionalização, à fraturação identitária, à proletarização docente e à consequente instrumentalização do seu papel na Educação.
Em síntese, quando se fala dos professores, nomeadamente os que exercem a docência nas escolas públicas, constata-se que pertencem a uma classe profissional que se sente desmoralizada e desiludida. Portanto, os professores passaram de uma situação de profissionais de referência, para o centro de todos os problemas da educação e da sociedade atual, no qual a sua ação pedagógica e a sua função como agentes de cultura e de mudança são repetidamente contestadas. Neste sentido, os professores enfrentam um paradoxo resultante de um novo sentido de profissionalidade, no qual emerge uma multiplicidade de exigências, a desorientação face às políticas educativas, o descontentamento perante a falta de reconhecimento social, a carreiras estagnadas, asfixiantes e desmotivadoras. Como afirmou Castilho (2015) acerca do rumo da Educação em Portugal, «A arrogância, o ódio aos professores, a ignorância sobre a realidade do sistema educativo e das escolas e a impreparação política e técnica foram os eixos identificadores daquilo que poderemos designar por bloco central da Educação da última década».
António José Alves Oliveira, Castelo Branco